Genial
Sou da opinião de que a causa profunda dos problemas que afectam o futebol português está na incompetência da generalidade dos dirigentes desportivos e dos políticos que se relacionam com as questões do desporto. Acho sobretudo que o dirigismo nacional vive desajustado dos tempos que correm e lida mal com as saudáveis regras da convivência democrática. Repare-se que no futebol português o discurso caciquista/trauliteiro impera e ainda dá os seus frutos.
Para provar isto estão as recentes declarações do presidente da Liga de Futebol, pessoa que devia ter grandes responsabilidades naquilo que diz e que, em muitas ocasiões, é ele próprio a despoletar controvérsias desnecessárias.
Em face do que se passou em Guimarães no jogo com o Boavista lá veio, mais uma vez, este dirigente brindar-nos com mais uma das suas «geniais» ideias, daquelas que se não viessem de quem vêm nem sequer acreditaríamos no que estávamos a ouvir. Para ele uma das medidas mais eficazes para resolver os problemas do futebol passa por impor uma regra de contenção verbal - que para mim não passa de um eufemismo para o termo censura - de modo a pacificar as hostes. Parece que este cavalheiro anda distraído com outras actividades, daí que eu tenha que lhe explicar algumas coisas simples que ele ainda não foi capaz de entender:
1º As leis do futebol não se podem sobrepor às leis do estado de direito, sendo a Constituição da República o garante máximo destas. Daqui se extrai o seguinte: se a Constituição da República garante o exercício do direito de opinião, tal como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, não é um Chico Zé qualquer, esteja em Gondomar ou na Guiné, seja presidente de câmara ou director do grupo excursionista lá da praceta que vai impor tal medida, completamente ilegal e anacrónica. Nos regimes democráticos e entre gente de bons princípios é do debate de ideias e pontos de vista que nascem as soluções. E felizmente AINDA somos uma democracia.
2º Em que termos é que esta hipotética ideia poderia ser aplicada? NInguém sabe. Trata-se de uma ideia tão disparatada que não conseguiríamos sequer perspectivar a sua execução. Se alguém disser que não gosta do bigode de um ábitro? Qual seria a respectiva pena? Andaria um delegado da liga atrás de cada dirigente para saber o que ele diz de um árbitro numa roda de amigos?
3ºO mais importante é procurar resolver os problemas, o mais possível, na sua origem. Ora, os comentários às arbitragens são apenas a etapa final de um problema muito mais profundo: o modo como a arbitragem em Portugal é gerida, e que se traduz no facto de ser actualmente um dos sectores mais desacreditados do futebol português.
Daqui se pode extrair a seguinte conclusão: Não querem que se fale mal dos árbitros? Então criem-se as condições para que isso não aconteça. Dou apenas algumas indicações que certamente contribuíriam para que isto acontecesse: eleições livres e democráticas nos orgãos que dirigem o futebol português em vez de nomeações encapotadas, vagamente escondidas sob a aparência de democraticidade; formação rigorosa dos árbitros em vez daquela história dos cursos de fim-de-semana que não passam, a maior parte das vezes, de encontros de amigos; formação e selecção rigorosa dos delegados aos jogos que têm a tarefa de avaliar o trabalho dos árbitros; publicitação dos critérios rigorosos que norteiam estas avaliações; formação dos dirigentes desportivos - porque é que estes indivíduos acham que não têm nada que aprender?; responsabilização dos árbitros pelos erros cometidos.
Mas enfim, no meio de tudo isto há uma mente genial que entende que isto se resolve com a imposição de um silêncio podre. Assim ficamos a saber que isto, se mudar, será para pior.
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