Portugal no Mundial
Eu sei que é um bocado chato quebrar as ondas de euforia. Mas a sinceridade é uma coisa que eu estimo. Já há muitos anos que eu vejo a selecção (de futebol sénior) com alguma indiferença. Não sei muito bem qual a razão. Acho até que não deve ser apenas por uma só razão, mas sim por várias que têm aparecido ao longo dos anos. Sou português, gosto que Portugal ganhe, mas os resultados da selecção não me dizem muito: 20 minutos depois de Portugal ter perdido a final do europeu contra a Grécia, eu já não me lembrava do assunto. Qualquer jogo do SPORTING para o campeonato é para mim mais interessante do que um jogo da selecção. Eu sei que isto é assim com muitos portugueses. A diferença é que os outros têm vergonha em assumir isto porque acham que a sua dedicação ao país está posta em causa só por dizerem que o apoio à selecção de um país não é uma coisa que se tenha que fazer a qualquer preço. Eu não tenho problemas nenhuns com isso e como tal, repito: sim, a mim interessa-me muito mais o meu clube do que a selecção, seja em que circunstância for. Tenho legitimidade de pensar assim porque entendo que a dedicação ao país não se esgota em 90 minutos de exaltação patriótica. Há maneiras muito mais valiosas e sérias de mostrar a dedicação ao país. Fazer do apoio à selecção uma espécie de critério de portugalidade não passa de folclore para entreter os mais toscos.
Mas no caso concreto da selecção portuguesa, o que eu acho é que ela não se cansa de nos dar motivos para que pouco nos interessemos por ela. A selecção é basicamente um espelho do futebol deste país: amadora no meio de profissionais, com a mania das grandezas numa casa muito desarrumada e cheia de cagança sempre que está ao lado dos outros. Esta direcção administrativa (Madaíl) e técnica (Scolari) tem sido uma forma de exponenciar isso. O que me vem à cabeça sempre que ouço falar da selecção é aquela expressão: o rei vai nu.
Madaíl é um incompetente. Não há ninguém que não tenha percebido que aquele homem só ocupa aquele cargo porque em Portugal o sistema de eleição dos dirigentes da federação é do mais obtuso que se pode conceber, ainda por cima ilegal, violando a Lei de Bases aprovada na assembleia da república.
Depois temos o treinador Scolari, esse sim, um verdadeiro case study do que é, para mim, uma nefasta gestão do futebol. Scolari tem virtudes, como quase toda a gente. Uma das virtudes que ele tem é a de ser um especialista em matéria de comunicação, na boa tradição brasileira. O que eu mais destacaria do seu consolado é precisamente a forma quase sempre hábil como ele gere a sua carreira e os seus interesses. Depois há o outro lado da moeda. Começa logo com o facto de se tratar de um indivíduo mal-educado: cada vez que a coisa não lhe cheira trata de se defender, não com argumentos, mas com insultos, suspeitas, insinuações e provocações. Vai para os jornais brasileiros insultar os portugueses que ousam criticá-lo, não com argumentos ou com críticas, mas com insultos cobardolas. Veja-se o caso das conferências de imprensa que o indivíduo dá: aquilo não são conferências de imprensa, são comícios. Assim que alguém fizer uma pergunta que não lhe agrade, o assessor manda calar o jornalista que passará logo para a lista negra: a dos que deixam de estar nas boas graças da tropilha. Porque é que ninguém escreveu, ou disse, alto e bom som, que o adjunto de Scolari estava a dormir durante um jogo da selecção? Desgraçado do que o fizesse. Seria no mínimo apelidado de racista – expressão recorrente no vocabulário de Scolari – só por dizer a verdade. Na sua estratégia de marketing, certamente montada por um qualquer compatriota seu especialista na área, quem não está com ele é porque não está com a selecção, porque, diz ele, temos que estar todos concentrados nos objectivos desportivos. Só é pena que ele não seja o primeiro a dar o exemplo, arranjando uma rábula com a sua ida para Inglaterra, em pleno período de concentração para os tais objectivos. Com o tempo, Scolari foi apalpando o terreno de modo a perceber até onde podia ir. E já viu que até se pode dar ao luxo de não fazer aquilo para que é muito bem pago – ver os jogos do campeonato, por exemplo – que ninguém lhe diz nada. Como é um tipo esperto, tratou logo de perceber como funciona a generalidade dos jogadores portugueses para saber como os ter consigo. É certo que não é preciso muito. Qualquer um de nós, minimamente atento ao futebol português, sabe que essa história da união do grupo e do facto de Scolari ter “a equipa toda com ele”, como se diz por aí, não é assim tão difícil. Basta seleccionar sempre os mesmos, aquele grupinho que acha que é dono daquilo, faça o que fizer, depois dar-lhes muitas folgas e muitas liberdades, defendê-los perante a comunicação social sempre que eles fazem uma asneira qualquer e alinhar naquelas patetices meio místicas, meio patrioteiras de que a maior parte dos jogadores tanto gosta. Como é que se admite que jogadores profissionais vão para um estágio, façam alarvidades de puto de 15 anos em viagem de finalistas e o treinador e os adjuntos ainda os protejam com uma estúpida conversa acerca das liberdades pessoais, do sono, do descanso e dos hábitos higiénicos? É claro que eu não estava à espera de ver Scolari dizer que os jogadores se portaram mal, fizeram asneiras no hotel durante os estágio e portanto vão embora. Ainda assim, é patético ver um adjunto dizer que os «hábitos de higiene são da responsabilidade dos jogadores» só porque se soube que estes tinham feito disparates de adolescente parvo nas casas de banho do hotel onde estavam. Só que este Scolari, que faz um esforço enorme para passar a imagem do irredutível que nunca se deixa afectar, faz precisamente o contrário do que diz. Esta semana, para manter a sua aura de duro, deu um raspanete aos jogadores “para jornal ver”. O Figo, certo dia, resolveu que não ia mais à selecção, dizia ele que estava cansado e mais não sei quê. Toda a gente achou muito bem. Passados uns tempos, Figo fez contas e percebeu que estava a perder muito dinheiro nos contratos publicitários, pelo facto de não ir à selecção. Mudou de ideias. Scolari tratou logo de dizer que sim. E quase ninguém se lembrou de achar que tinha sido uma atitude pouco profissional, a de Figo, ficando à espera que fossem os seus colegas a conseguir o apuramento porque o cavalheiro “andava cansado”. Onde andava nessa altura o durão Scolari?
Se há coisa de que Scolari não gosta mesmo é de falar de futebol. Ao longo destes anos, tenho a impressão de que não vi o indivíduo, uma única vez, a falar de futebol. As suas conferências de imprensa, entrevistas, etc. são sempre sobre tudo menos sobre futebol. Porque na verdade não lhe interessa discutir o essencial; e assim passou à margem a patética figura que a selecção fez na final do EURO contra a Grécia. Ninguém ousou questionar sobre o assunto, a não ser os tais críticos que ele diz que são racistas. Neste momento as suas baterias estão apontadas para a estratégia do bode expiatório: o mundial ainda não começou e a estratégia da desculpabilização para a possibilidade de as coisas virem a correr mal já está montada: Madaíl diz a toda a hora que quando chegar a Lisboa vai ter umas coisas para dizer e Scolari anda com aquela do “sei quem são os quatro ou cinco” com quem vai ter que acertar contas. Ao menos esperavam pelos resultados. Estarem com desculpas antes de jogar é sinal de medo. Ou será que aprenderam com a experiência: é que Saltillo começou assim. Os ingredientes estão lá todos: tal como em 86 temos uma equipa de veteranos que vê a selecção como uma posse. Tal como em 86 temos um conjunto de jogadores que acham que já deram muito ao futebol português e a toda hora invocam isso para refutar a mais ligeira das críticas (os de 86 acharam que o apuramento quase milagroso lhes conferia o direito de fazer o que fizeram). Tal como em 86 os dirigentes assobiam para o lado sempre que são chamados à razão. Tal como em 86 a maior parte dos jornalistas estava tão contente por estar no Mundial que se esqueciam de dizer o que se estava a passar. Tal como em 86 tivemos uma convocatória, no mínimo estranha. E assim sucessivamente: não vale a pena estar aqui a lembrar coisas que são mesmo para esquecer.
Não se trata de estar aqui com pessimismos. Não gosto nada do que tem sido a preparação da selecção até à data. Ficarei satisfeito se forem campeões do mundo. Não é isso que me vai fazer mudar de ideias acerca de Scolari, da maioria dos jogadores, dos dirigentes da federação e dos jornalistas que tão entusiasmados andam atrás de tudo o que seja verde e encarnado.
Peço desculpa pelo tamanho do texto e desejo-vos um bom fim-de-semana desportivo na companhia da final de Roland Garros e do Portugal – Ucrânia em andebol (apuramento para o Mundial de 2007).
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