Sunday, September 17, 2006

A normalidade do anormal


A partir de agora vai ser sempre assim: rouba-se e ainda se goza aquele que é roubado. É a fase final do lamaçal a que chegou o futebol português.

A quadrilha que dá pelo nome de Apito Dourado e que actua no futebol teve nesta semana que passou uma das suas melhores semanas. Muitas notícias a revelarem a maneira nojenta como actuam, é certo, mas também a confirmação tácita de que nada lhes vai acontecer. Ao longo destes anos, sempre suspeitaram que nunca teriam que prestar contas pelos crimes que foram cometendo. Esta semana, um especialista em matérias jurídicas veio dizer que não há possibilidade de os crimes da quadrilha poderem ser julgados nos tribunais civis. Era o que eles queriam ouvir. Claro que há muitos outros, igualmente especialistas, a afirmarem o contrário. Mas a quadrilha precisava apenas de um a lançar a escada. A partir daqui sabem que o eventual imbróglio jurídico lhes será favorável e que o tempo correrá a seu favor.
Não nos deixemos iludir pelas sucessivas manchetes do Público e do DN. A isso a quadrilha já nem presta atenção. Porque a quadrilha arranjou um especialista para dizer aquilo que queria ouvir. Se ao jurista juntarmos a capitulação do orgão superior (Federação) perante o orgão subalterno dominado pela quadrilha (Liga) e se a isto juntarmos também o manifesto desinteresse do governo da república perante o assunto, através de declarações dos responsáveis pela área, ficamos todos a saber que está aberto o caminho à continuação do roubo. A quadrilha percebeu que dificilmente terá que prestar contas. Todos os gatunos que fazem parte da quadrilha ficaram a saber que poderão continuar a actuar. Que se lixem os jornais e as escutas, nada nos detém, é o que eles pensam. Podem voltar a tratar tudo pelo telefone, as escutas não servirão para nada. Podem continuar a roubar da maneira que lhes apetecer. Nenhum governo, nenhum tribunal, nenhuma federação, nenhuma FIFA irão actuar sobre eles.
João Ferreira, distinto membro da quadrilha, percebeu o sinal e tratou de actuar em conformidade com as novas regras: roubar sem disfarces, roubar, roubar e roubar. Os roubados que barafustem, de nada lhes valerá. Veja-se o caso deste ladrão que actuou no jogo entre o SPORTING e o Paços de Ferreira. Viu um jogador a marcar um golo com a mão, validou-o e riu-se. Riu-se porque sabe que o caminho está livre: só quem está muito seguro de que nada lhe acontecerá é que valida um golo daqueles e ainda tem atrevimento para gozar com a cara dos jogadores que, incrédulos, reclamam. Na semana passada foi humilhado em campo ao mostrar-se incapaz de actuar sobre um jogador que o agrediu, cuspiu e insultou. Hoje apareceu como se nada fosse, apenas com o objectivo de cumprir a encomenda que lhe fizeram. E ainda gozou. Como quem diz: vai-te habituando porque daqui em diante será sempre assim. Brevemente vamos (voltar a) ver apanha-bolas a marcar golos (como aqui há uns anos nas Antas), jogadores a marcar com as mãos (como hoje), jogadores a sofrerem penalidades e a verem amarelos (como hoje) e tudo mais. Nada nos surpreenderá. Se um árbitro chutar uma bola para dentro da baliza será normal neste futebol português gerido pela quadrilha do Apito Dourado. E quem protestar leva cartão. A dignidade dos bandalhos é mesmo assim: uma cuspidela na cara é muito menos grave do que uma reclamação de um jogador quando tem razão. A lógica dos pulhas é outra, convém não nos esquecermos.

O que mudou nos últimos dias? Afinal de contas, muito pouco. Roubar sempre se roubou, como já ninguém duvida. A ligeira diferença é que agora já não se procura disfarçar. E assim temos Valentim e outros membros da quadrilha a assobiar para o lado: o processo Apito Dourado para eles acabou e acabou da melhor maneira possível. Tudo continuará na mesma. Com os mesmos de sempre a roubar.

Não serão os orgãos desportivos, nem os tribunais, nem o poder político a mudar as coisas. Esses capitularam. Por inércia, por cobardia e por interesse, como está à vista de toda a gente.

Apenas os adeptos, no dia em que se fartarem de vez, poderão mudar as coisas. As ditaduras não se destituem nos tribunais, nem por decreto. Eliminam-se pela força, da razão e não só...

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