Friday, July 21, 2006

Os suspeitos do costume

Isto começa a repetir-se com muita frequência: fala-se mais dos jogadores do galinheiro por motivos extra futebol do que propriamente pelas suas qualidades futebolísticas. Não é que o assunto me interesse muito, mas a recente paródia em torno de Nuno Assis merece comentário, quanto mais não seja para mostrar que nem toda a gente anda a dormir no meio disto.
Façamos uma reconstituição dos factos. Aqui há uns meses Nuno Assis foi submetido a um controlo anti-doping e acusou positivo. Solicitou uma contra-análise que voltou a confirmar os primeiros resultados. O jogador foi suspenso das suas actividades durante alguns meses; punição prevista na lei.
Até aqui tudo parece ir bem; um caso igual a muitos por esse mundo fora que nem sequer mereceria tanta atenção. Mas a partir daqui as idiossincrasias da justiça desportiva portuguesa tomam lugar no meio da cega-rega que se começa a montar: há que fazer as coisas à boa maneira portuguesa, desafiando todo o bom senso. E é então que uns doutos cavalheiros, pertencentes a uma dessas inúmeras comissões que existem nos organismos do desporto em Portugal e que só servem para mostrar a sua inutilidade porque sempre que são chamadas a intervir demonstram a sua total incapacidade de resolver qualquer problema que se desvie um pouco da gestão corrente das coisas, entra em acção. A tal comissão resolver fazer tábua rasa do relatório do CNAD que apontava para a existência de substâncias proibidas na urina do futebolista. Começa a palhaçada. O CNAD é uma entidade competente para fazer este tipo de testes? É. O CNAD é internacionalmente reconhecido enquanto tal? Sim. Os responsáveis do CNAD estão sujeitos a regras que tutelam a actividade das análises clínicas? Estão. Qual é então a legitimidade da Comissão Disciplinar da Liga em rejeitar os resultados das análises feitas por um laboratório devidamente autorizado? Ninguém sabe ao certo; a Comissão Disciplinar da Liga não esclarece; apenas diz que o atleta deixa de estar suspenso porque não há razões para a sua suspensão. Por muito ridículo que isto possa parecer a única coisa que podemos saber acerca do levantamento da suspensão foi o que o presidente do clube do atleta em causa disse, naquele seu jeito de apresentador de circo, que “aquilo não são maneiras de transportar urina de um atleta” e que , como tal o resultado das análises deixa de valer. Parece anedota mas não é. O presidente do clube do atleta e a tal comissão, sem qualquer parecer técnico, inquérito de investigação, ou análise suplementar resolvem que aquelas análise feitas ao atleta não servem para nada. Perguntam as pessoas inteligentes: que legitimidade tem uma comissão de juízes e um vendedor de pneus para colocar em causa umas análises clínicas assim sem mais? Nenhuma. E é aqui que o secretário de estado do desporto – que costuma andar adormecido sempre que há assuntos importantes a resolver – entra em acção, e bem, digo eu. O secretário de estado apelidou mesmo de vergonhosa a situação que se estava a passar. E isto porque um organismo do estado, o CNAD, devidamente legitimado para proceder a este tipo de análises, foi desautorizado por três ou quatro senhores que, nos seus gabinetes, com um dos milhentos regulamentos que regem (mal, como é fácil de ver) o futebol português resolveram sem mais que tinham todos os elementos para varrer para o lixo todas as conclusões a que o organismo legítimo tinha chegado. Como se a desfaçatez não fosse suficiente, ainda veio o presidente do clube do atleta colocar em causa e mesmo insultar os responsáveis do CNAD. Como se gerir um laboratório internacionalmente credenciado fosse a mesma coisa que construir mamarrachos em Alverca. Não restam grandes dúvidas que a actuação da Comissão Disciplinar da Liga foi concertada com os dirigentes do clube. O que está mal: as comissões da Liga e da Federação servem (ou deviam servir) para julgar e não para se aliar aos interesses daqueles que devem julgar: mais uma particularidade do futebol português.
Só espero mesmo que o secretário de estado e os responsáveis pelo laboratório avancem para os tribunais. Apenas para esta gente perceber que as capas dos jornais, por exemplo, até se podem comprar. Os resultados de umas análises clínicas não. Para ajudar esta gente a entender que é fácil fingir que um Manélele qualquer possa valer oito ou 18 milhões. Não é fácil mudar um resultado científico.

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