Já cá faltava
Quando vi pela primeira vez as imagens daquela ciança, vítima do maremoto, que apareceu com a camisola da selecção portuguesa disse logo que íamos ter festival de verborreia acerca do assunto. Imaginei logo os escribas e opinadores cá da paróquia ao lado de alguns jogadores e dirigentes a debitarem de forma emocionada patetices sobre o infortúnio (e a sorte) do miúdo.
Enjoa, e bastante, este comportamento subdesenvolvido de misturar futebolices com tudo e com nada, pervertendo toda a ordem de relevância que as coisas têm. Do lote de lamechices bacocas que se foram ouvindo, o apogeu foi atingido por esta criatura que eu já conhecia de o ter visto na televisão a destilar ódio contra a Juventude Leonina a propósito de um infeliz acidente que houve em Alvalade e do qual, a claque, não teve culpa nenhuma. Ele lá saberá porquê. Nunca mais o li ou ouvi - porque tenho leituras mais interessantes com que ocupar o meu tempo - até ter chegado ao tal artigo. E geralmente, perante peças do género, costumo ter vontade de rir. Mas desta vez senti mesmo nojo. Nojo pela atitude de quem se põe a fazer jogos florais de 4ª classe, invocando o clube próprio e a selecção e outras irrelevâncias do género, sem o mínimo de respeito pela situação da criança: para amealhar uns euritos com umas croniquetas semanais tudo serve de inspiração. A balbúrdia mental de quem acha que tudo pode ser motivo de prosa. Um nojo!
Aqui há uns tempos atrás li - no PÚBLICO, salvo erro - um interessante artigo do compositor Pinho Vargas em que este se insurgia contra esse fenómeno da esticização da dor tão em voga no nossos meios de comunicação. Dizia ele que, como compositor, se sentia incomodado com o uso da música para determinados fins, como se esta não fosse uma nobre arte e servisse apenas os interesses de embelezamento de quem quer que seja. Todos nós conhecemos a fórmula: umas imagens em slow-motion de crianças famintas em África, agarrados do Intendente ou sobreviventes de um acidente rodoviário com uma pianada lamechas por cima e aí temos o clipzinho do sentimento. A estiticização da dor no seu auge. E um verdadeiro nojo. E o artigo desta criatura sobre a criancinha e o Eusébio e a selecção e o raio que o parta que lhe veio à cabeça é mesmo do pior. Talvez por ignorância, não sei.
Quando o filósofo alemão T. Adorno disse: "Depois de Aushwitz a poesia é impossível" ele não estava propriamente a dizer que depois dessa data se deixava de escrever poesia. Ele quis dizer, entre outras coisas, que depois de Aushwitz, esta marturbação folclórica comunicacional em torno da dor deveria ser impossível. Mas eles não entendem porque não sabem quem é o Adorno. Mas talvez saibam quem é o Romário. E sugiro-lhes que sigam o conselho que este deu a Pelé: ponham um sapato na boca porque só dizem...
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